por: Natália Abreu Damasceno 1
Desde a década de 1990 o neonazismo ganhou espaço nas telas do cinema. O assunto, que para muitos ainda permanece um tabu, foi explorado das mais diversas maneiras pela indústria cinematográfica, seja através da apologia ao anti-semitismo, do repúdio à violência, da demonização dos skinheads ou até da compreensão dos mesmos. Filmes como This Is England (2006) e Skinheads: a Força Branca (1992) são apenas dois exemplos entre diferentes abordagens do problema. O fato é que, freqüentemente, estes filmes geram debates polêmicos e, por isso, importantes. Poucas películas exploraram tão criticamente o problema quanto A Outra História Americana (American History X).
Lançado em 1998, o filme foi o primeiro longa-metragem do diretor Tony Kaye. A película retrata a história dos irmãos Derek (Edward Norton) e Danny (Edward Furlong), que fazem parte de uma organização neonazista no bairro em que residem, Venice Beach, na Califórnia. Após matar dois rapazes negros, Derek é preso. Na cadeia, percebe as incoerências de sua ideologia e retorna, anos depois, decidido a impedir que seu irmão mais novo continue a fazer parte da gangue.
O diretor desta obra, o londrino Tony Kaye, nasceu em 1952 e cresceu em uma família judia ortodoxa e de classe trabalhadora, o que, de certa maneira, explica o fascínio de Kaye diante do roteiro do filme. O cineasta fez currículo dirigindo videoclipes de artistas como Johnny Cash, Roger Waters, Red Hot Chili Peppers, documentários, e propagandas – ramo em que se tornou conhecido.
Devido ao interesse que o roteiro de David McKenna lhe despertou e à presença do consagrado ator Edward Norton (o mesmo do Incrível Hulk) no elenco, Kaye empenhou-se no projeto, mas alegou que necessitaria de plena autonomia e respeito. Porém, não foi exatamente o que lhe aconteceu. A edição final despertou críticas tanto de Edward Norton quanto da distribuidora do filme, a New Line. Como resultado, o ator, que já vivia o protagonista, tornou-se o novo editor da película.
O diretor alegou que a reedição de Norton havia abrandado os pontos de vista almejados por ele no filme. E, insatisfeito com o mesmo, quis romper com o projeto e retirar seu nome da obra. Após vários e polêmicos desentendimentos e processos judiciais entre Kaye e a New Line, o cineasta foi proibido de retirar o seu nome e o filme foi lançado com a reedição.
Uma Outra História Americana é um filme rico na abordagem do neofascismo. A trama é bem amarrada, os objetivos e os pontos de vista surgem de maneira natural nos diálogos e nas cenas. As alegorias e os cuidados nos figurinos, fotografia e cenários revelam preocupação em abranger a melhor definição possível de um skinhead neonazi. Assim, percebe-se claramente que o roteiro delineia, sem apelos, o seguinte perfil: uma tribo urbana de skinheads racistas, anti-semitas, xenófobos, supremacistas, hitleristas e, em sua maioria, jovens de classe operária.
O supremacismo e o anti-semitismo são reforçados pela cena em que Seth (Ethan Suplee), amigo de Derek e membro da gangue, ouve e cantarola a paródia do hino cívico-religioso “Battle Hymn of The Republic” (1861). Sarcasticamente rebatizada como “The White Man Marches On” (O Homem Branco continua a marchar), a letra cantada por Johnny Rebel evidencia o desprezo aos negros, mestiços e judeus. Além disso, percebemos a auto-afirmação dos skinheads enquanto tribo urbana, quando surgem comentários debochados sobre os caipiras (“red-knecks”) membros da Ku Klux Klan, organização supremacista nascida no Tennessee, Sul dos Estados Unidos.
Vale ressaltar também que estes personagens se encontram extremamente ligados ao seu meio, o bairro Venice Beach. Percebe-se que há a transmutação de um problema (a intolerância) de dimensão global, para um âmbito local, um bairro culturalmente heterogêneo na Califórnia. Esta estratégia é um recurso do filme para facilitar o entendimento da questão. O lugar é habitado por negros e imigrantes, e é apresentado como um ambiente que proporciona, com freqüência, turbulentos choques culturais. Deste modo, a representação de tensões como a disputa racial e a xenofobia aparecem através de um jogo de basquete; o desemprego é evocado no ataque às mercearias do bairro, ajudando o espectador a procurar uma raiz social para o problema. E, de repente, o skinhead não é mais um vilão de filme, e sim parte de uma tribo urbana que luta radicalmente por espaço.
Outro ponto a ser destacado é que o filme retrata diferentes tipos de skinheads. Por exemplo, Danny é uma alegoria da parcela mais jovem do movimento, composta por adolescentes vulneráveis que encontram no grupo uma sensação de pertencimento e deslumbram-se com as festas, a música e os ídolos do meio neonazi; Derek representa os líderes ativistas, os idealistas, os chamados “mártires”, podendo inclusive ser comparado com Ian Stuart (1957-1993), líder do movimento skinhead Blood & Honour. Já o personagem Cammeron (Stacey Keach), é o “engravatado” por trás do movimento. Este personagem põe em cena a manipulação dos partidos de direita e dos fascistas enriquecidos tão citados por Antonio Salas em seu livro “Diário de um Skinhead” (2005).
Enfim, A Outra História Americana é uma representação cinematográfica relevante sobre os skinheads. O filme não simplifica as coisas, suscita debates, apresenta considerável fundamentação histórica, bem como convida os leigos a conhecerem um pouco mais a respeito deste movimento que, distante do sombrio III Reich (1933-1945), invade insistentemente o tempo presente.
Notas
1. Graduanda em História. Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/ UFS)
DAMASCENO, Natalia Abreu. Skinheads e cinema: A Outra História. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº17, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]