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quinta-feira, abril 08, 2010

Skinheads e cinema: A Outra História



por: Natália Abreu Damasceno 1

Desde a década de 1990 o neonazismo ganhou espaço nas telas do cinema. O assunto, que para muitos ainda permanece um tabu, foi explorado das mais diversas maneiras pela indústria cinematográfica, seja através da apologia ao anti-semitismo, do repúdio à violência, da demonização dos skinheads ou até da compreensão dos mesmos. Filmes como This Is England (2006) e Skinheads: a Força Branca (1992) são apenas dois exemplos entre diferentes abordagens do problema. O fato é que, freqüentemente, estes filmes geram debates polêmicos e, por isso, importantes. Poucas películas exploraram tão criticamente o problema quanto A Outra História Americana (American History X).

Lançado em 1998, o filme foi o primeiro longa-metragem do diretor Tony Kaye. A película retrata a história dos irmãos Derek (Edward Norton) e Danny (Edward Furlong), que fazem parte de uma organização neonazista no bairro em que residem, Venice Beach, na Califórnia. Após matar dois rapazes negros, Derek é preso. Na cadeia, percebe as incoerências de sua ideologia e retorna, anos depois, decidido a impedir que seu irmão mais novo continue a fazer parte da gangue.

 O diretor desta obra, o londrino Tony Kaye, nasceu em 1952 e cresceu em uma família judia ortodoxa e de classe trabalhadora, o que, de certa maneira, explica o fascínio de Kaye diante do roteiro do filme. O cineasta fez currículo dirigindo videoclipes de artistas como Johnny Cash, Roger Waters, Red Hot Chili Peppers, documentários, e propagandas – ramo em que se tornou conhecido.

Devido ao interesse que o roteiro de David McKenna lhe despertou e à presença do consagrado ator Edward Norton (o mesmo do Incrível Hulk) no elenco, Kaye empenhou-se no projeto, mas alegou que necessitaria de plena autonomia e respeito. Porém, não foi exatamente o que lhe aconteceu. A edição final despertou críticas tanto de Edward Norton quanto da distribuidora do filme, a New Line. Como resultado, o ator, que já vivia o protagonista, tornou-se o novo editor da película.

O diretor alegou que a reedição de Norton havia abrandado os pontos de vista almejados por ele no filme. E, insatisfeito com o mesmo, quis romper com o projeto e retirar seu nome da obra. Após vários e polêmicos desentendimentos e processos judiciais entre Kaye e a New Line, o cineasta foi proibido de retirar o seu nome e o filme foi lançado com a reedição.

Uma Outra História Americana é um filme rico na abordagem do neofascismo. A trama é bem amarrada, os objetivos e os pontos de vista surgem de maneira natural nos diálogos e nas cenas. As alegorias e os cuidados nos figurinos, fotografia e cenários revelam preocupação em abranger a melhor definição possível de um skinhead neonazi. Assim, percebe-se claramente que o roteiro delineia, sem apelos, o seguinte perfil: uma tribo urbana de skinheads racistas, anti-semitas, xenófobos, supremacistas, hitleristas e, em sua maioria, jovens de classe operária.
O supremacismo e o anti-semitismo são reforçados pela cena em que Seth (Ethan Suplee), amigo de Derek e membro da gangue, ouve e cantarola a paródia do hino cívico-religioso “Battle Hymn of The Republic” (1861). Sarcasticamente rebatizada como “The White Man Marches On” (O Homem Branco continua a marchar), a letra cantada por Johnny Rebel evidencia o desprezo aos negros, mestiços e judeus. Além disso, percebemos a auto-afirmação dos skinheads enquanto tribo urbana, quando surgem comentários debochados sobre os caipiras (“red-knecks”) membros da Ku Klux Klan, organização supremacista nascida no Tennessee, Sul dos Estados Unidos.

Vale ressaltar também que estes personagens se encontram extremamente ligados ao seu meio, o bairro Venice Beach. Percebe-se que há a transmutação de um problema (a intolerância) de dimensão global, para um âmbito local, um bairro culturalmente heterogêneo na Califórnia. Esta estratégia é um recurso do filme para facilitar o entendimento da questão. O lugar é habitado por negros e imigrantes, e é apresentado como um ambiente que proporciona, com freqüência, turbulentos choques culturais. Deste modo, a representação de tensões como a disputa racial e a xenofobia aparecem através de um jogo de basquete; o desemprego é evocado no ataque às mercearias do bairro, ajudando o espectador a procurar uma raiz social para o problema. E, de repente, o skinhead não é mais um vilão de filme, e sim parte de uma tribo urbana que luta radicalmente por espaço.

Outro ponto a ser destacado é que o filme retrata diferentes tipos de skinheads. Por exemplo, Danny é uma alegoria da parcela mais jovem do movimento, composta por adolescentes vulneráveis que encontram no grupo uma sensação de pertencimento e deslumbram-se com as festas, a música e os ídolos do meio neonazi; Derek representa os líderes ativistas, os idealistas, os chamados “mártires”, podendo inclusive ser comparado com Ian Stuart (1957-1993), líder do movimento skinhead Blood & Honour.  Já o personagem Cammeron (Stacey Keach),  é o “engravatado” por trás do movimento. Este personagem põe em cena a manipulação dos partidos de direita e dos fascistas enriquecidos tão citados por Antonio Salas em seu livro “Diário de um Skinhead” (2005).

Enfim, A Outra História Americana é uma representação cinematográfica relevante sobre os skinheads. O filme não simplifica as coisas, suscita debates, apresenta considerável fundamentação histórica, bem como convida os leigos a conhecerem um pouco mais a respeito deste movimento que, distante do sombrio III Reich (1933-1945), invade insistentemente o tempo presente.
 
 
Notas
1.   Graduanda em História. Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/ UFS)
 

DAMASCENO, Natalia Abreu. Skinheads e cinema: A Outra História. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº17, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]

terça-feira, abril 06, 2010

O filme This is England: um laboratório para o tempo presente






por: Karla Karine de Jesus Silva 1

    Lançado em 2006, dirigido por Shane Meadows, This is England narra a história de um garoto de 12 anos, Shaun (Thomas Turgoose), morador de um bairro operário em 1983. Após perder o pai, na Guerra das Malvinas (abril a junho de 1982), e ser vítima de outros alunos na escola, o menino se envolve com um grupo de jovens skinheads. A película então nos apresenta rapazes e garotas que se divertem ao som de músicas de origem jamaicana como o ska, vestindo jeans com suspensórios, camisas Ben Sherman, botas Doc Martens e adotam os cabelos raspados.  
    Shane Meadows é conhecido por incrementar fatos autobiográficos em suas produções. Em This is England, o diretor concebeu uma trama baseada em sua própria experiência com um grupo skin do seu bairro – Westlands Road, área de Uttoxeter, Staffordshire. Meadows explora o contexto em que muitos desses “cabeças raspadas” surgiram ou foram se modificando.
    História envolvente e com atuações consagradas – Thomas Turgoose, Stephen Graham, Joe Gilgun, Adrew Shim –, além de música, figurino, fotografia e cenários bem adaptados aos anos 80 do século XX e aos primórdios do movimento Skinhead na Inglaterra, This is England é mais do que uma produção cinematográfica de sucesso. Poderíamos pensar em This is England como um laboratório, como um objeto de estudo a ser analisado pelo menos em três pontos importantes.
     Em primeiro lugar, o filme apresenta o movimento skin ainda em formação. A narrativa reconstitui parte desse universo underground, em que os jovens ainda eram mais conhecidos pelas vestimentas inspiradas em operários e pelas músicas que ouviam, sem qualquer conexão imediata com uma apologia da violência ou uma pedagogia da intolerância.
    É este desvio para práticas de inspiração fascista o cerne do segundo aspecto fundamental do filme. Isto aparece na mudança ocorrida no grupo de jovens skins após a sua divisão, um processo que dá origem a um segundo segmento com idéias racistas e acentuado nacionalismo. O catalisador desta cisão é o personagem Combo (Stephen Graham), membro que havia sido preso, retornando com um discurso de defesa aos ingleses e explícito no ataque aos imigrantes.
    Outra peculiaridade do filme This is England é seu uso do audiovisual como fonte histórica. Encontramos isso nas cenas formadas por registros de telejornais inseridas no filme: há soldados ingleses voltando da Guerra das Malvinas,  passeatas  de operários contra o Governo Thatcher e imagens de ataques a imigrantes. Deste modo, Meadows procurar mostar que conta uma história verdadeira, nada fantasiosa. A cenografia do filme é cuidadosa. Sutilmente aparecem pichados nos muros ataques ao Governo inglês, homenagens a bandas surgidas naqueles tempos como Specials, The Upsetters, Soft Cell, Dexy’s Midnight Runners e Sckrewdriver.
    Estes três aspectos analisados sobre This is England não esgotam as possibilidades de interpretação e uso deste filme ou as intenções do diretor. Antes, elencar esta tríade é provocar uma discussão sobre o papel do filme na investigação histórica. É ressaltar a sua contribuição sobre o que foi o movimento skinhead nos anos 1980. Por fim, é entender o filme como mais do que uma ferramenta histórica, mas como um grande laboratório para refletir sobre os problemas do tempo presente.    
NOTAS
1. Graduanda em História UFS, Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq e Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente - GET  
SILVA, Karla Karine de Jesus. O filme This is England: um laboratório para o tempo presente. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 5, Nº04, Rio, 2010 [ISSN 1981-3384]